sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Lançamento do livro Um Banquete Tropical: Temas da etnoalimetação

 "Um Banquete Tropical", livro de Raul Lody, será lançado no dia 26 de novembro.



Estamos aguardando o momento do lançamento do livro e, com imenso prazer, disponibilizamos o Prefácio da publicação, escrito por Maria de Lourdes de Azevedo Barbosa. Confira:

Raul Lody é uma enciclopédia; este livro – que comemora seus cinquenta anos
de atividades como escritor –, um verdadeiro banquete nos trópicos. A cada
artigo / capítulo, ele nos ensina alguma coisa. Muita coisa. Ou nos relembra
conhecimentos que já tínhamos, mas lhes dando conteúdo ou contexto novo,
em muitos casos, surpreendente. Fiquei matutando sobre como eu poderia
escrever o prefácio de um livro com tais qualidades que não fosse apenas um
desfilar de elogios, que ele merece, mas que tivesse também outra utilidade,
além da exclusivamente laudatória.

Parti de uma hipótese: tendo de absorver tantas informações, o leitor talvez
pudesse ser ajudado por uma classificação dos temas abordados no livro.
Consegui identificar sete desses, talvez, os mais recorrentes: (1) Comidas e
Identidade Nacional ou Regional, (2) Comidas e Significados Culturais, (3)
Gastronomias da Modernidade, (4) As Frutas da terra ou que se tornaram da
terra, (5) Alimentos Elaborados, (6) Doces, Bolos e Bebidas, (7) Cozinha e
Utensílios. Não se trata de uma taxonomia exaustiva; menos ainda da única
possível. Mas o exercício me possibilitou pôr a cabeça em ordem ao refletir
sobre o livro.

Lody não teve essa preocupação classificatória: os capítulos foram escritos um
por um – possivelmente, para serem publicados em jornais ou blogs –, sem se
submeterem a um plano lógico ou a uma ordem predeterminada. Está ótimo,
assim. Mas, talvez, enriqueça a apreciação dos leitores ver realçados aqueles
que me parecem ser alguns dos principais temas de um Banquete tropical.
Realçados e exemplificados com passagens extraídas desse livro tão 
interessante. (As frases entre parênteses são os títulos dos artigos / capítulos
de onde foram tiradas as citações, algumas dessas levemente editadas.)


Comidas e identidade nacional ou regional

“O açúcar adoçou tantos aspectos da vida brasileira que não se pode separá-lo
da civilização”. (Açúcar: uma civilização nacional). “A cachaça encarna um
sentimento nacional. O sentimento do brasileiro”. (Cachaça: uma bebida
sagradamente profana). “O feijão é um dos grandes argumentos que faz o
brasileiro se reconhecer como brasileiro”. (A civilização do feijão).
“São muitas, tantas, e sempre criativas, as maneiras de se comer sardinhas. A
Portugal chegaram os ingredientes do mundo. Da Ásia, da África e das
Américas. Mundializado, Portugal proporcionou os encontros entre o Oriente e
o Ocidente. Também marcou o mundo com a sua culinária. E a sardinha, sem
dúvida, como o bacalhau, dão identidade à mesa portuguesa, em qualquer
lugar”. (Sardinha no pão).
“Sem dúvida, o açaí é identidade da Amazônia, uma identidade tão intensa
quanto o gosto pela farinha de mandioca e pelos muitos produtos que fazem a
mesa tradicional da região”. (Açaí: para beber a Amazônia). “[O caldo de cana]
é uma permanência histórica e memorial da colonização oficial portuguesa que
buscou e encontrou no açúcar a grande base e o principal fundamento para a
ocupação”. (O caldo da cana de açúcar).
O feijão manteiguinha de Santarém “é amazônico e se integra a outros
ingredientes que fazem a base da identidade das cozinhas do Norte. Tem
sabor, forma, cor, textura, e uso culinário peculiar. Ele faz parte da
compreensão do comer amazônico”. (Feijão do Norte: feijão manteiguinha de
Santarém). “O papangu encontra-se principalmente numa cidade de
Pernambuco chamada Bezerros. O angu feito à base de milho é um exemplo
do que comiam os africanos em condição escrava”. (Papangu: o personagem-
comida)


Comidas e significados culturais

“O conceito do sabor é aliado ao do prazer. É a busca do gosto gostoso. Pois
não é comer para encher a barriga e se sentir saciado. É comer para se fazer
comentários sobre o tempero, sobre a qualidade da carne-seca, sobre o feijão
preto”. (Feijão magro & feijão gordo). “Sempre se valorizou muito as carnes.
São memórias ancestrais dos caçadores”. (O mito da feijoada). “Todo o
alimento que contém carne reativa o comportamento ancestral do homem.
Talvez esteja aí uma das causas do sucesso do hambúrguer”. (The power of
hamburger)
“Nada mais saboroso, dionisíaco, prazeroso do que um honesto, suculento,
grossinho caldinho de feijão. (Caldinho de feijão: do copo à boca). “Comer bem,
quando se refere ao feijão, é o mesmo que comer em quantidade, pois certas
comidas só são verdadeiras quando se come com o sentimento de gula”.
(Venha comer um feijão!)
“Como, logo existo. Comer é um conjunto de sentidos e de sentimentos que se
juntam para fazer um diálogo simbólico entre o corpo e mundo”. (Venha comer
um feijão!). “Comer caruru é uma experiência de corpo inteiro. É necessário
sentir o gosto do dendê além da boca; o dendê que toca a pele, o quiabo que
enche a mão junto ao bolo com farofa, e ainda um bom pedaço de galinha;
misturando-se também pipoca, rolete de cana, culminando tudo isso num gole
generoso do aluá”. (É tempo de quiabo)
“Há um princípio gastronômico dos Iorubá de harmonizar, nos cardápios
tradicionais, pratos muito condimentados com pratos insossos. Isso marca
estilos e identidades das cozinhas regionais afrodescendentes no Brasil. O
vatapá, por exemplo, deve ser acompanhado por arroz preparado na água e
sal; ou, tradicionalmente, o acaçá branco, insosso, feito de milho branco ou
arroz”. (Ebô: o gosto do milho branco).


Gastronomias da Modernidade

“Há muito a comida nas lanchonetes, nas praças de alimentação e noutros
locais dos nossos aeroportos é um exemplo vivo do império da comida-plástica.
(...) O aeroporto é um lugar de passagem, de gente apressada. E a comida tem
de ser rápida. Diga-se: rápida em preparo e em serviço. Contudo, o sabor é um
direito inalienável do homem”. (Sanduíches aéreos: nos aeroportos e a bordo).
“Este emblema que é a salsicha [na origem, a salsicha de Frankfurt] integra um
dos símbolos nacionais do império ianque na forma de hot-dog. Com os norte-
americanos nasce uma verdadeira civilização do sanduíche, a partir da
Segunda Grande Guerra. O sanduíche é um sinal do sem-tempo da
Modernidade. Ele é só para encher a barriga da máquina humana”. (A
globalização da Salsicha Frankfurt – o hot-dog)
“A comida, a cozinha, o restaurante, ganham um crescente glamour
hollywoodiano que faz dos chefes ídolos da sociedade contemporânea. Um
fenômeno que merece ser olhado nesses contextos globalizados da fome
invadindo regiões de um mundo que fica cada vez mais gordo”. (Para falar de
gula). “Certamente, entre duas fatias de pão pode caber um universo de
sabores”. (Pão com carne). “– Me dá um Bauru! Próximo e certamente gostoso
é o tão celebrado, e nacionalmente conhecido, sanduíche Bauru”. (Sanduíche
Bauru).
“Se há alimento marcado pela modernidade é a alface. Verdadeiro símbolo de
dietas anoréxicas. Comer uma folhinha de alface é não comer nada ou comer
quase nada”. (A face da alface). “Cachorros vadios, da mais alta elite vira-lata,
ficam olhando, vigiando, acompanhando o freguês, verdadeiro dono do galeto.
Por isso, chama-se televisão de cachorro essa churrasqueira que faz os
cachorros sonharem; não apenas os cachorros”. (Televisão de cachorro)


As frutas da terra ou que se tornaram da terra

“Nada melhor e paradisíaco do que uma água de coco no seu frescor natural,
tomada na própria embalagem, arredondada e verde”. (A tão celebrada
cocada). “O nosso coco verde vem da Índia, passando antes pela África
Oriental, África Ocidental, de Cabo Verde e Guiné, entrando no Brasil pelo
litoral Atlântico, fixando-se no Nordeste”. (Do Reino, da Costa e da Terra)
“Manga, jaca, fruta-pão e carambola, entre outras, vêm do Oriente; caju,
pitanga, graviola, mangaba, pitomba e o cupuaçu são frutas da terra,
convivendo nas nossas mesas em forma de sucos, doces em calda, sorvetes,
tortas”. (Do Reino, da Costa e da Terra). “Comer ou chupar manga reveste-se
em um ritual que se inicia na escolha olfativa da fruta, que certamente seduz o
usuário pelo perfume da terebintina”. (O Cão chupando manga).
“O caju faz esse brasão do país tropical. Ele é nativo da Mata Atlântica, dá
perto do mar e é bonito de se ver florido, repleto de cores, bom de comer-se
também verde, o chamado maturi, como moqueca com dendê e temperos, uma
delícia!” (Abacaxi & caju). “O caju é fruta da terra; fruta brasileira do litoral. – O
perfume. Ah! O perfume é um convite para se sentar à base do cajueiro e
comer ou chupar muito caju”. (Caju: o vinho e a cajuína).


Alimentos elaborados

“Sem sal e tendo por base a mandioca, são feitos alimentos (como a farinha e
o tucupi, líquido também extraído da mandioca) que fazem a estrutura geral de
uma cozinha ameríndia, combinando-se caças, peixes, quelônios, frutas e
ervas”. (Do Reino, da Costa e da Terra). “Em Belém, as vendedoras de tacacá
seduzem seus fregueses com as cuias transbordantes de goma, de camarão e
outros ingredientes, dispostos em mesa ou banca”. (A feliz conjugação do
verbo comer).
“O lelê de milho é feito com milho-vermelho picadinho, açúcar, leite de coco,
raspas de coco, canela e cravo-da-índia. Alguns acrescentam sumo de limão”.
A massa é enformada, e se come como bolo. (Lelê de milho: entre a casa e o
sagrado). “Abadô que, em língua iorubá, significa milho, é também o nome da
comida ritual do orixá Iemanjá, a mãe-peixe que representa os mitos da criação
do homem e as águas. O abadô é feito de milho branco (...) temperado com
camarões e azeite de dendê”. (Abadô: milho de Iemanjá).
“Comemorar o Divino Espírito Santo é seguir em muitas localidades do Brasil
banquetes comunais para milhares de pessoas. Aqui, aparecem o arroz, ou o
arroz-de-carreteiro, aquele acrescido de charque, muita carne de boi cozida ou
como churrasco, além dos doces, como o de leite, de mamão, de abóbora, de
batata entre muitos outros”. (A festa começa pela boca).


Doces, bolos e bebidas

“Fazer doce é semelhante ao fazer renda, ao fazer bordados. É um sentimento
de busca pela receita excepcional, pela maior e melhor elaboração dos
ingredientes, das caldas, das texturas únicas, e por isso secreta”. (O tempo do
doce). “É o nosso tão querido e estimado arroz doce. Sobremesa do cotidiano,
comum, às vezes enriquecida com leite de coco, raspas de limão, gemas de
ovos; e, muita, muita canela para enfeitar o prato, e, também, para dar gosto e
cheiro”. (Roz Bil Halib).
“O bolinho de estudante é um doce feito de tapioca, coco, açúcar e canela,
sendo a maior habilidade o trabalho de manipular a massa, de dar com o
punho o movimento que faz com que ele seja conhecido como feito a punho.
Na Bahia, todos o chamam de punheta, (...) um dos mais comuns e frequentes
integrantes do cardápio exposto no tabuleiro da baiana de acarajé”. (Um doce
feito a punho).
“O xequetê é preparado artesanalmente com cravo, canela, erva-doce,
amendoim e castanha de caju. A esse conjunto de ingredientes é acrescida a
cachaça com açúcar, limão e pitanga, na forma tradicional de se fazer o bate-
bate. Todos esses ingredientes ficam em processo de maturação por um
período de três dias, para apurar o gosto. Aí, está pronta a bebida de festa que
é servida em pequenas doses, pois, tem a fama de ser forte e quente, e
justamente por isso é também chamada com o nome sugestivo de levanta a
saia”. (Xequetê: uma bebida multicultural)





Cozinha e utensílios

“Mundo tradicionalmente da mulher, a cozinha garante o poder pela boca, pela
sedução dos pratos, pois a estética gastronômica é fundamental para que de
início se coma com os olhos, em seguida, sinta-se o aroma, depois
identifiquem-se os alimentos e, finalmente, celebre-se com o paladar, o prato.
Assim, come-se plenamente, de corpo inteiro. Os rituais à mesa, são rituais que aproximam, favorecem trocas e sociabilidades”. (Utensílios, cozinhas & mesas).
“Tão importante quanto a escolha dos ingredientes, dos temperos e do
conhecimento das receitas é o conjunto de utensílios usados para transformar
os alimentos e servi-los”. (Utensílios, cozinhas & mesas). “A colher de pau está
sendo descriminada em prol de um sentimento de segurança alimentar,
desconsiderando a memória culinária e patrimonial deste utensílio
indispensável à cozinha, um símbolo do bem comer. Assim, devem ser
relativizadas essas campanhas que atribuem um valor negativo, anti-higiênico,
para esse utensílio”. (Rabo-de-Macaco: o gosto doce do jenipapo)


Se preparem, o banquete vai começar...
Sentem-se à mesa, ou comam em pé nas ruas, nos aeroportos e lanchonetes
de fast-food, ou sentados sobre tapetes, mas sempre com Raul Lody. Jamais
perderão o apetite, pois com ele o banquete é mais saborosamente prazeroso.
Aproveitem essa delícia de livro.




O livro apresenta ilustrações que foram especialmente realizadas pelo autor.



Bate-Papo

Durante o evento está programada uma conversa com o autor e a empresária/pesquisadora Lourdes Barbosa (Doutora e Mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco; Ex-coordenadora e professora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Hotelaria e Turismo da UFPE; Pesquisadora sobre o tema: Gastronomia da Amazônia; Proprietária da Mercearia do Pará).


Serviço

"Um Banquete Tropical", será lançado oficialmente no dia 26 de novembro.

Publicação: Cepe Editora / 2022


Local: Mercearia do Pará - Gastronomia e produtos alimentícios da Amazônia 

Rua Olímpio Tavares, 110 - Casa Amarela - Recife - PE

26 de novembro / 2022

10:30 às 12:00h

Instagram: @merceariapara 


Conteúdo colaborativo: Raul Lody / Coluna Web Gourmet

Fotos e arte: Raul Lody / Divulgação


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